A última entrevista de Renato Russo: “No Brasil somos alegres, mas não somos felizes”.
Renato Russo fez considerações sobre o novo álbum e a sociedade brasileira.
Nas primeiras horas do dia 11 de outubro de 1996, Renato Russo morria, vítima de uma infecção pulmonar decorrente do vírus HIV. Nos últimos meses de vida, o vocalista da Legião Urbana dedicou-se às gravações do último álbum da banda, “Tempestade ou o Livro dos Dias”, lançado pouco antes de sua morte, em 20 de setembro daquele ano.
Mas o que revisitamos aqui é um raro registro de suas palavras finais — uma entrevista publicada no livro “Conversações com Renato Russo”, compilação de entrevistas concedidas ao longo da vida do cantor.
No livro está aquela que é considerada a última entrevista de Renato, concedida ao jornalista Marcelo Fróes, em julho de 1996. Nela, o líder da Legião fala sobre o novo álbum, a cena do rock dos anos 90 e seu estado de saúde.
Em um dos trechos, o músico reflete sobre o cenário do rock nacional:
“Aqui no Brasil não existe diálogo no rock, porque de rock só sobrou a gente. E os novos, mas não é a mesma coisa. Não é como antes quando você ia na casa de seus amigos para ouvir discos. Hoje está uma corrida louca pra fazer uma banda. Você já tem o CD, você já a revista, informação. Você já tem vídeo. As crianças são colocadas diante da MTV desde o seu nascimento.”
Sobre Kurt Cobain.
Naquele momento, o mundo ainda lamentava a morte de Kurt Cobain, ocorrida dois anos antes. Renato comentou o episódio com empatia:
“Ele não podia ter feito aquilo, mas a ignorância é vizinha da maldade. Realmente ele não teve como escapar daquela tragédia. Eu considero aquilo uma tragédia.”
Em seguida, confessou que não pretendia ouvir o novo projeto de Dave Grohl. “Eu não vou ouvir Foo Fighters, me desculpem. não quero ver nem a capa. Eu tenho a minha linha. Hoje a gente tem a Sinnead, tem a Madonna que continua uma viagem que no fim das contas continua maravilhosa.”
Marcelo Fróes o questionou sobre o fato de as canções de A Tempestade não terem refrão. Renato explicou. “É claro, tem influência de Stonewall e Equilíbrio Distante, em algumas coisas a gente já fazia isso anteriormente.”
E logo deixou transparecer o cansaço físico e emocional. “Procura uma chamada ‘Dezesseis’. Esse disco já me esgotou tanto, você nem sabe a energia que está sendo.”
Sobre a saúde.
Quando o jornalista tocou no tema de sua saúde, Renato preferiu desconversar. “Ah, eu tô complicado. E eu não quero falar sobre isso.”
Mesmo assim, Fróes insistiu, relembrando uma ligação recente entre os dois: “Outro dia, quando você me ligou, eu achei que estivesse, estava bem mais pra cima.”
Renato respondeu com franqueza. “Eu tô bem. Quer dizer, neste exato momento, eu tô legal. Mas meu processo é muito complicado.”
Sobre o lançamento do álbum, ele comentou. “Ansiedade, ansiedade, ansiedade. E a certeza de ter feito realmente o nosso maior esforço. As pessoas podem não gostar, mas não tivemos momentos de preguiça, soberba ou atraso.”
Renato também falou sobre uma de suas bandas favoritas da época. “Eles são maravilhosos. Eu adoro o Oasis, mas sabe, eu não vou ficar cantando que eu quero ‘Cigarretter & Alcoohol’, porque eu estou nesta fase, entendeu?”
Já no final da entrevista, revelou que um registro documental de sua trajetória estava em andamento:
“Tá sendo feita. Não como eu gostaria, mas tá. Tem coisas que passam sem registro. Aquelas pequenas coisas.” Conforme lembrou.
E encerrou com uma reflexão profunda sobre o sentimento do povo brasileiro, ao ser questionado sobre sua melancolia. “Mas não é bem uma melancolia. É porque não é a dança da garrafinha. São dois extremos. Eu já devo ter falado isso em uma outra entrevista. Aqui no Brasil nós somos alegres, mas não somos felizes. Existe toda uma melancolia e uma saudade que a gente herdou dos portugueses e que a gente ainda nem começou a resolver.”
