Quem era o fã que invadiu a mansão de John Lennon em 1971?

Em 1971, John & Yoko receberam a visita de um fã enquanto gravavam o álbum “Imagine”. 

Uma das cenas emblemáticas da carreira solo de John Lennon aconteceu quando ele estava gravando o álbum “Imagine” no estúdio de sua mansão nos arredores de Londres. Quando um jovem bateu à porta de Lennon.

A cena está nos documentários “Gimme Some Truth”, “Above Us Only Sky”, assim como em “Imagine”, e aconteceu em 26 de maio de 1971, em sua casa em Tittenhurst, Ascot. John Lennon foi avisado que um jovem estava em sua propriedade.

Seu nome era Curt Claudio, de 23 anos. Maltrapilho, ele havia viajado da Califórnia para conhecer John Lennon.

Claudio acreditava que as canções dos Beatles, especialmente  pós 1968, eram mensagens para ele, tanto que chegou a enviar diversos telegramas para a mansão avisando que estaria chegando. Acima de tudo, um deles dizia:

“Alguém diga ao John que estarei em Gatwick no dia 18, usando um casaco de pele de carneiro marrom de três quartos. Responda imediatamente antes. Devo ir e esperar ou não? Não posso fazer a viagem a menos que eu saiba que você estará lá. Você disse que quer ajudar e sabe que preciso de ajuda, mas não irei até que você responda. Curt Claudio, telegrama para John Lennon, 1971.”

Meses de telegramas.

John declarou nos documentários, afirmando: “Tinha esse cara chamado Claudio que estava enviando telegramas por nove meses para a Inglaterra dizendo ‘Estou chegando, estou chegando, e então só precisarei olhar nos seus olhos e saberei’. E ainda completou: ‘Ele achava que tudo era sobre ele, e eu disse: ‘Não, é sobre mim’. Pode tocar uma corda correspondente na sua experiência porque todos nós temos experiências semelhantes, mas basicamente é sobre mim e, se não for sobre mim, é sobre Yoko. Eu disse: ‘É melhor você seguir em frente e viver sua própria vida, você está perdendo tempo tentando viver a minha’.”

Contudo, não havia seguranças na propriedade de John & Yoko, e frequentemente pessoas acampavam ao redor do terreno. Portanto, olhando em retrospectiva, aquilo poderia ter servido de alerta para o casal, considerando o que aconteceria nove anos depois.

Em Tittenhurst, não havia segurança particular e um de nossos assistentes nos disse que havia um cara estranho que estava ficando no nosso jardim quase todas as noites. John sempre se sentia responsável por essas pessoas porque elas eram o resultado de suas músicas. Era assim que ele se sentia”, lembrou Yoko.

Outras visitas.

Curt Claudio já havia aparecido outras vezes em Tittenhurst. “Claudio simplesmente aparecia do nada às vezes. Ele parecia desgastado, mas também incrivelmente bonito, havia algo nele que era surpreendente. Acho que ele era inofensivo, realmente, mas no começo as pessoas não queriam ter nada a ver com ele e não o queriam por perto”. Conforme declarou Dan Ritchie.

Yoko conta no documentário o que sentiu quando foi receber Curt na porta da cozinha. “Ele não era bobo. Ele era uma pessoa espiritual. Claudio estava se comunicando com John em um nível elevado. Não é uma coisa ruim; na verdade, foi uma coisa boa. Sabíamos que ele era um espírito e foi por isso que John o convidou para almoçar conosco. A comida fez o trabalho, acalmou-o. Acho que nunca mais ouvimos falar dele depois disso”.

Desfazendo um erro.

Dan Richte, que era assistente pessoal de John & Yoko na época, chegou a rastrear a informação de que o jovem Curt seria um veterano do Vietnã em estado de choque que havia sido liberado do hospital. No entanto, o irmão de Claudio, Ernie, esclareceu que ele nunca esteve no Vietnã. “Curt nunca esteve no exército. Ele era um estudante nota A no ensino médio e ganhou uma bolsa para a Universidade da Califórnia em Davis, Califórnia. Depois ele começou a usar drogas e abandonou a escola. Ele passou a maior parte de sua vida trabalhando em fazendas.” Segundo relatou, as informações estão no site oficial de John Lennon.

Ernie ainda contou sobre o que aconteceu com Curt após os anos em que encontrou John Lennon. “Nós trabalhamos na Ford Motors em Milpitas, Califórnia, até que fecharam a fábrica. A Ford deu aos seus funcionários $12.000 para que pudessem se requalificar para outro emprego. Perguntei ao Curt, ‘O que você vai fazer com seus $12.000?’ Curt disse: ‘Vou comprar uma Harley ou um avião ultraleve’. Ele comprou o ultraleve e foi isso que o matou. Ele estava voando muito baixo e muito devagar, e o avião estolou. Aconteceu em Fremont, Califórnia. O avião caiu, bateu no telhado de uma garagem e pousou em uma árvore, a seis pés do chão. O impacto causou a separação da aorta do coração. A morte foi instantânea.”

Curt Claudio morreu em 22 de dezembro de 1981, o documentário, “O Que Aconteceu Com Claudio” de 2021, conta a história do rapaz. Por fim, segue a transcrição da conversa entre John Lennon e Curt Claudio:

Então, leia:

John: É apenas um disco. Pode significar mais para mim ou para você do que para outra pessoa. Ainda são apenas músicas. É poesia.

Claudio: Você não juntou tudo? Você só…

John: Eu só escrevo como qualquer um escreve qualquer coisa. Ou da minha própria experiência ou da minha própria cabeça.

Yoko: Muitas pessoas têm a mesma impressão. Elas pensam, ‘Ah, sou eu.’

John: Pense em quando você tinha quatorze anos. Apenas imagine. E imagine se um de seus amigos tivesse vindo e dito que os Beatles, ou Elvis, ou qualquer pessoa estava escrevendo músicas só sobre eles. O que você teria pensado?

Claudio: Para ser honesto, eu não estava pensando que era eu, egoisticamente…

John: Bem, tudo bem, mas não confunda as músicas com sua própria vida. Elas podem ter relevância para sua própria vida, mas muitas coisas têm. Então nos encontramos, você sabe, eu sou apenas um cara, cara, que escreve músicas. Você só pode dizer ‘Olá’, e o que mais há?

Claudio: Sim. Eu imaginei que se nos encontrássemos, eu saberia só de te ler…

John: Mas saber o quê?

Claudio: Se o que eu estava pensando era verdade.

John: Bem, o que… é verdade?

Claudio: Bem, acho que não.

John: Certo! Eu sou apenas um cara, cara.

Claudio: Mas tudo se encaixa, sabe?

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John: Qualquer coisa se encaixa. Se você está viajando em alguma viagem, qualquer coisa se encaixa. Você pode ficar trancado pelas estrelas [astrologia] no jornal. Quando dizem que você vai ter um bom dia ou um mau dia. Pode ser o namorado da sua tia escrevendo essas coisas. Mas se você se envolve, qualquer coisa se encaixa.

Claudio: Sim, eu só precisava te conhecer.

John: Bem, aqui estamos. Nós nos conhecemos. E eu sou apenas um sujeito e estou trabalhando. E você me conheceu e dizemos, ‘Olá’ e é isso. Não há segredos, realmente. Você só precisa tentar lembrar como era quando você era mais jovem. Antes de você entrar nessa viagem.

Claudio: Você sabe, como quando você estava dizendo, ‘Garoto, você vai carregar esse peso por um longo tempo’, isso era só…(Se referindo  Carry That Weight)

John: Paul cantou isso, sim.

Claudio: Paul cantou isso?

John: Bem, isso pertence a todos nós. Ele está cantando sobre todos nós. Todos temos que carregar isso até morrer, não é?

Claudio: Acho que é verdade. Sim, acho que eu estava construindo tudo.

John: Certo. Sim, mas você tem que acreditar nisso ou vai passar a vida inteira procurando por sonhos. A única maneira de fazer isso é tentar lembrar como era quando você era mais jovem. O que você teria pensado sobre isso – todo esse jazz místico? Você teria dito a ele onde enfiar isso.

Claudio: Lembra daquela, hum… ‘Você pode irradiar tudo o que você é, você pode penetrar em qualquer lugar que você vá, sindicalizar tudo…’ ( Se referindo a Dig A pony)

John: Sim. Eu estava apenas me divertindo com palavras.

Yoko: Eu pensei em ‘irradiar’, ‘sindicar’ – tudo isso.

John: Irradiar. Sim, ela escreveu isso. Irradiar. Sindicar. Eu estava apenas me divertindo com palavras. Foi literalmente uma música sem sentido.

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Yoko: Eu não te diria, a menos…

John: Quero dizer, Dylan faz isso. Qualquer um faz. Você apenas pega palavras e as junta e é como jogar o I Ching ou algo assim. só vê o que acontece. Você pega um monte de palavras, joga fora e vê se têm algum significado. Algumas têm, outras não. Mas não é universalmente significativo ou algo assim.

Claudio: Sim. E seu ‘Hare Krishna não tem nada sobre você’?

John: Sim, bem ele não tem. Quero dizer. Você é isso. Veja, meu último álbum foi eu saindo do meu sonho.

Claudio: Você realmente não estava pensando em ninguém em particular quando estava cantando tudo isso?

John: Como eu poderia estar? Como eu poderia estar pensando em você, cara?

Claudio: Bem, eu não sei. Talvez eu não me importe, eu, mas é tudo, é tudo alguém.

John: Eu tenho pensado sobre mim; ou no máximo Yoko, se é uma canção de amor. E talvez eu pense em um público em geral se estou cantando ‘Old Hare Krishna não tem nada sobre você’, estou falando com qualquer velho amigo que tem ouvido o que estávamos dizendo, e dizendo, ‘Olha, bem eu acho que isso é uma besteira agora, vamos esquecer.’ Basicamente, estou cantando sobre mim e estou dizendo, bem, tive uma boa merda hoje e isso foi o que eu pensei esta manhã e, ‘Eu te amo, Yoko’, ou qualquer coisa. Estou cantando sobre mim e minha vida e se é relevante para a vida de outras pessoas, tudo bem.

Claudio: Sim.

John: Você está com fome?

Claudio: Sim.

John: Vamos dar algo para ele comer, vamos.

Sendo assim, veja abaixo a cena quando acontece o encontro: