Engenheiros do Hawaii: ‘Infinita Highway’, uma viagem musical em busca da Liberdade
‘Infinita Highway’, lançada em 1987 no disco Revolta dos Dândis, se destacou como um hino de liberdade nos anos 80.
Por Sandro Abecassis
O ano de 1987, representou um ano expressivo para o rock Brasil, Os Paralamas do sucesso colhiam os frutos do álbum “Selvagem?”, a Legião Urbana, lançava o disco, “Que País é este? “, os paulistas dos Titãs produziram e lançaram, “Jesus não tem dentes no país dos banguelas”, e no sul os Engenheiros do Hawaii, emplacaram “O Revolta dos Dândis”.
Essa fase criativa do rock Brasil, era também um período crítico do país, recém saído de uma ditadura militar, e com problemas financeiros graves, inflação com cerca de 40% ao mês, e planos econômicos mirabolantes.
Todos estes álbuns possuem críticas ao governo, sistema, e ao estado brasileiro, tanto é que o “Cabeça dinossauro” dos Titãs em 1986, vinha com um selo de censura e advertência.
Mas hoje vamos falar da canção, “Infinita Highway”, do álbum, “Revolta dos Dândis”, dos Engenheiros do Hawaii. Então, vamos lá.
A estrada infinita
A gravação de “Infinita Highway”, aconteceu sem pausa, ao vivo em Julho de 1987, por conta da complexidade da música.
Consta no livro, “Infinita highway, uma carona com os Engenheiros do Hawaii”, do autor e jornalista Alexandre Lucchese, que produtor Reinaldo Barriga ficou no estúdio regendo o baterista Carlos Maltz para que tudo desse certo, a cada take que era feito.
“Infinita”, representou a música de entrada do guitarrista Augusto Licks na banda. O disco “Revolta dos Dândis” é quando Humberto Gessinger assume o baixo. Na música é possível notar que as linhas de Gessinger tem muitos acordes, ainda influenciado pelo tempo em que ficou na guitarra.
“Infinita Highway”, é marcada por introdução característica de guitarra, mas que teve como base a linha de baixo de Humberto. Aliás, na canção o Rickenbacker de Humberto é bem alto, com médios bem definidos.
Trilha de Armação Ilimitada
A canção fez parte do seriado “Armação Ilimitada”, da Rede Globo, em uma época em que entrar na trilha sonora de uma novela ou produção global era resultado de sucesso quase imediato. A música alcançou os primeiros lugares nas rádios naquele ano, e a banda participou dos principais programas de TV nesse período.
No entanto, outra curiosidade, alguns produtores criaram um remix de “Infinita HighWay”, sem autorização da banda e veiculam na rádio. O fato aborreceu muito, principalmente Carlos Malz.
“Mais do que ninguém Os Engenheiros do Hawaii ficaram surpresos ao escutar na rádio um mix (quase caricatura) de uma música chamada, “Infinita Highway”. A banda deixa claro que a versão não faz parte do seu repertório, que seus integrantes não participaram do tal “remix” e que este chegou em suas mãos e foi vetado para execução em radiofônica ou venda”. Conforme escreveu Maltz em um comunicado a revista Bizz.
Um outro fato, a gravadora RCA queria cortar os 6 minutos da canção por considerá-la longa. Contudo, o produtor Reinaldo Barriga deu o exemplo de “Eduardo e Mônica” da Legião para convencê-los, eles não queriam aceitar, mas a banda se negou a reduzir a canção, e foi gravada completa.
A letra
A letra de Humberto Gessinger nasceu durante anos, quando ainda era um pré adolescente, com frases soltas que ele foi unindo e transformando em música. O tema “Highway” (estrada) é a simbologia trazida da música americana e até do sertanejo (real) brasileiro, aquela coisa de representar a jornada da vida.
A canção abre e claramente fala sobre o fato de sair em busca da vida, arriscar correr riscos, depender de si mesmo, e nada melhor do que a estrada para exemplificar este processo:
“Você me faz correr demais
Os riscos desta highway
Você me faz correr atrás
Do horizonte desta highway
Ninguém por perto, silêncio no deserto
Deserta highway
Estamos sós e nenhum de nós
Sabe exatamente onde vai parar
Mas não precisamos saber pra onde vamos
Nós só precisamos ir
Não queremos ter o que não temos
Nós só queremos viver
Sem motivos, nem objetivos
Estamos vivos e isto é tudo
É sobretudo a lei
Dessa infinita highway”
Recortes de frases
Humberto certa vez disse, “Infinita Highway é mais um lego do que um bolo, os fragmentos estão todos ali”. Portanto, é a trilha sobre o desejo de mudança de vida, sobretudo de alguém saindo da adolescência para a fase adulta.
“Quando eu vivia e morria na cidade
Eu tinha de tudo, tudo ao meu redor
Mas tudo que eu sentia era que algo me faltava
E, à noite, eu acordava banhado em suor”
Ou
“Escute garota, o vento canta uma canção
Dessas que a gente nunca canta sem razão
Me diga, garota: “Será a estrada uma prisão?”
Eu acho que sim, você finge que não
Mas nem por isso ficaremos parados
Com a cabeça nas nuvens e os pés no chão”
Conceito beat e sertanejo
No entanto, Humberto se inspirou no conceito beatnik de estrada de Kerouac e mais ainda na essência da música sertaneja de Milionário e José Rico, que cantam em prosa e verso o desafio através dos caminhos. Além disso, a canção traz um verso de Jean Paul Sartre, na frase, “A dúvida é o preço da pureza”.
“É a melhor frase que me fascina porque até hoje não consegui entender porque os existencialistas diriam isso, o que eles queriam dizer com isso. Me parece tão fora do discurso deles, mas que tem a ver tudo com o lance da “infinita”, na próxima curva e o quão o GPS pode tirar a graça de um estrada, obviamente que na época não existia nem internet”. Conforme contou Gessinger.
“Eu vejo um horizonte trêmulo
Eu tenho os olhos úmidos”
“Eu posso estar completamente enganado
Posso estar correndo pro lado errado”
Mas “A dúvida é o preço da pureza”
E é inútil ter certeza
Eu vejo as placas dizendo “Não corra”
“Não morra”, “Não fume”
“Eu vejo as placas cortando o horizonte
Elas parecem facas de dois gumes”
“Eu poderia dizer coisas bem profundas e metafísicas sobre ela, mas o que eu poderia dizer é que a música que mais me anima em tocar o baixo”. Segundo conta Humberto.
O final
“110
120
Cento e sessenta
Só pra ver até quando
O motor aguenta
Na boca, em vez de um beijo
Um chiclet de menta
E a sombra de um sorriso que eu deixei
Numa das curvas da highway”
Por fim, o verso final remete a toda experiência vivida, seja ela boa ou não, e acima de tudo, as marcas das atitudes deixadas na nossa estrada da vida.
“O que a gente aprendeu com essa música acontecendo, é ver tudo que era possível da indústria cultural do que aparentava ser. Então é uma música que abriu várias portas”. Finalizou Humberto.